11.2.09

Belchior - Alucinação, 1976

Levei muito tempo para gostar de Belchior, assim como levei muito tempo para gostar de Ivan Lins. Hoje, com mais maturidade musical, retiro qualquer coisa que tenha dito de ruim dos dois, me redimo e digo que cada vez me surpreendo mais com eles.

Foi esse disco que me impulsionou a voltar para este blog que tanto gosto, mas que deixei guardado a um ano e tantos meses. O tenho ouvido a dias seguidos com muita atenção, com muito respeito e hoje ele é um dos discos mais fantásticos que já ouvi. O canto de Belchior é profético. É cortante, é sincero. Este disco é sentimento puro. As letras são pungentes, são desabafos, gritos de alerta, histórias de todos nós. É irresistível comentar faixa a faixa.

A faixa que abre o disco é
"Apenas Um Rapaz Latino-Americano"; um rapaz que vem do norte, comum como nós, abrindo os olhos das pessoas, dizendo que o "antigo compositor baiano que lhe dizia que tudo é divino, tudo é maravilhoso" já é antigo (Gilberto Gil, que nessa época era um Doce Bárbaro junto com Caetano, Gal e Bethânia); que tudo muda, que agora os tempos são outros.

"Sons, palavras são navalhas
E eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém"

Tudo é proibido, ou melhor, tudo é permitido quando ninguém nos vê. Ao fim da canção, nada mais é divino, nada é maravilhoso, nada é secreto, nada mais mais é misterioso...

As faixas seguintes são "Velha Roupa Colorida" e "Como Nossos Pais", ambas projetadas na voz de Elis Regina e que em seus arranjos originais são bem diferentes. A primeira tem convenções misteriosas, violão de aço, slides, interpretação bem livre, um órgão bem presente - uma balada folk que diz que o passado é uma roupa que não nos serve mais, precisamos rejuvenecer.

"No presente, a mente, o corpo é diferente
e o passado é uma roupa que não nos serve mais"

A segunda recebe uma interpretação tão pungente como a de Elis e clama que temos que prestar atenção no que vivemos de verdade e não só nas "coisas que aprendemos nos discos".

"Qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa".

"Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
é que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz."

Mas o tapa maior está nos próximos versos: O grande grito de revelação da nostalgia que nos inunda, é o que reverenciamos dos discos que ouvimos, é reconhecer que "nossos ídolos ainda são os mesmos", "que vivemos como nossos pais", que amamos o passado mesmo, que muitos não vêem que "o novo sempre vem". Mas Belchior segue com o pressentimento do "cheiro da nova estação", com a esperança cega, com a vida da cidade grande.

"Sujeito de Sorte" é uma música incrível, forte, positiva. Uma música fácil de imaginar na voz de Maria Bethânia. Uma música que eu quero cantar. Explica-se por si só.

"Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte
Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte
E tenho comigo pensado: Deus é brasileiro e anda do meu lado
E assim já não posso sofrer no ano passado
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro"

A introdução de "Como o Diabo Gosta" tem um quê da intro de "Blackbird", dos Beatles. Nela ele diz que tudo está como o diabo gosta, sem regras, sem ordem. Um reflexo de seu tempo. Fim do lado A.

O lado B é aberto com a incrível faixa-título, "Alucinação".

"Eu não estou interessado em nenhuma teoria (...)
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia
E o meu delírio é a experiência com coisas reais"

Nada é mais precioso do que as experiências reais. Nada vale mais do que o que é real, do que o que os olhos vêem. Saia às ruas. Preste atenção no seu próximo. Observe a vida com o coração. Perceba que não somos sozinhos. Essa é a real alucinação.

"(...)meu corpo que cai do oitavo andar
E a solidão das pessoas dessas capitais
A violência da noite, o movimento do tráfego
Um rapaz delicado e alegre que canta e requebra
É demais!(...)"

"(...) Amar e mudar as coisas me interessa mais."

A faixa seguinte, "Não Leve Flores" traz um ar de leveza e de otimismo. Mais uma vez me lembro de Beatles, com os solos de guitarra de Rick. Um quê de Octopus's Garden no ar e o verso "Sempre é dia de ironia no meu coração" nos ouvidos.

"A Palo Seco" tem alguns dos versos mais lindos que já ouvi. É uma música triste, direta, mas docemente agressiva.

"(...)Sei que assim falando, pensas que esse desespero é moda em setenta e seis
Mas ando mesmo descontente,
Desesperadamente eu grito em português (...)"

"(...)Tenho vinte e cinco anos de sonho, de sangue e de América do Sul(...)"

"(...) E eu quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês."

Em seguida vem o ápice do disco, na minha opinião. "Fotografia 3X4" é cortante. É um relato real das experiências de tantas pessoas que saem de suas cidades para viverem nas grandes cidades, observações que nós que aqui moramos nunca fizemos, por já vivermos dentro do olho deste furacão. A canção começa com um canto vocalizado que é como um lamento e, entre versos reais, este lamento se repete. E entre tantas imagens que se passam, tantas constatações sobre a cidade e tantas confissões, o verso "Eu sou como você" finaliza o discurso. As histórias são iguais. Todos nós somos "rapazes latino-americanos", somos "como nosso pais", somos "sujeitos de sorte", temos as alucinações do dia-a-dia. Somos a multidão.

Para fechar o disco, a grande conclusão de tudo o que se desenvolveu pelas canções - "Antes do Fim"

"Quero desejar, antes do fim,
pra mim e os meus amigos,
muito amor e tudo mais;
que fiquem sempre jovens
e tenham as mãos limpas
e aprendam o delírio com coisas reais.

Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo:
o canto foi aprovado
e Deus é seu amigo.
Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo,
que eu não sou perigoso:
- Viver é que é o grande perigo"


...um disco maravilhoso e irresistível.

Viver é a grande Alucinação.

26.9.06

Maria Bethânia - Drama: Anjo Exterminado, 1972


Depois de muito tempo sem escrever, eis que volto a meu canto, resenhando a minha mais nova descoberta: Na ninha opinião, um dos melhores discos de Bethânia gravados em estúdio - Drama: Anjo Exterminado.

Este disco é, assim como o Rosa Dos Ventos, um tanto misterioso. Não tanto quanto aquele, mas nesse ouvimos uma Bethânia diferente, que flerta com o rock setentão da bateria de Tutty Moreno - acreditem! -, o piano de Antonio Perna, o baixo - e que baixo!!! - de Moacir, a flauta de Tuzé de Abreu e guitarras e violões de Perinho de Albuquerque.

Num geral a sonoridade deste LP me traz muito à mente o disco Pérola Negra, de Luiz Melodia - lançado um ano depois. O timbre da bateria, o naipe de metais em uma das músicas, o clima jazzístico e inclusive a gravação de "Estácio Holly Estácio", de Luiz, que aparecerá em seu disco também, que me trazem esta ligação.

No melhor estilo Bethânia, o lado A começa com o trecho de um ponto de umbanda da Bahia: "Sou eu que me deito tarde / Sou eu que levanto cedo / Sou eu que realço tudo / Sou eu que não tenho medo"; e cai levemente em "Esse Cara", de Caetano Veloso, com um naipe de cordas, um clima romântico.

A quarta faixa é impressionante. "Volta Por Cima", de Paulo Vanzolini recebe um arranjo setentão maravilhoso, com direito convenções e tempos quebrados, guitarras e a bateria de Tutty Moreno ao máximo, sempre impagável e inconfundível.

Sem negar as raízes, a quinta faixa é o samba-canção de Herivelto Martins "Bom Dia", com direito a um naipe de metais, dando um ar renovado e fresco à música. Logo depois vem a faixa título do disco, "Anjo Exterminado", de Wally Salomão (ou Sailormoon, para os mais íntimos) e Jards Macalé. "Quando você passa três, quatro dias desaparecida/ me queimo num fogo ardente de paixão / ou você faz de mim alto-relevo em teu coração / ou não vou mais topar ficar deitado / um moço solitário / poeta benquisto / até você tornar doente / cansada, acabada / das curtições otárias (...)" Maravilhoso...

A última faixa do lado A é de arrepiar: "Maldição", de Alfredo Duarte; Aí me vem aquela imagem de Rosa Dos Ventos - ela, cantando sozinha num teatro enorme e escuro... A música é basicamente a voz dela com algumas intervenções de órgão, percussão, flauta e violão; "Somos dois gritos calados / dois fados desencontrados / dois amantes desunidos/ É lucidez, desatino / de ler no próprio destino / sem poder mudar-lhe a sorte(...)"

O lado B começa com "Iansã", de Caetano e Gil - uma homenagem à orixá que a protege e minha música favorita: "Senhora das nuvens de chumbo / senhora do mundo dentro de mim / rainha dos raios / tempo bom, tempo ruim / (...) eu sou um céu para as tuas tempestades(...)". A próxima faixa é também de Caetano mas desta vez Bethânia participa da autoria; "Trampolim" é uma música alegre: "O amor não é mais do que o ato da gente ficar no ar / antes de mergulhar"; a voz de Bethânia alcançando o céu, em agudos incríveis! E a próxima música também é de Caetano: "Negror dos Tempos" é a que mais me lembra Luiz Melodia. O final dela é um longo improviso de sax-alto, meio samba, meio jazz; Sinto que também pode traduzir um pouco do clima daquela época: Em 1972 Caetano voltava do exílio; "(...) Quando vejo você / com sua gargalhada descarada / com seus cabelos de muito vento / de mau tempo, de mau tempo / (...) sinto todo amor / sinto todo o terror do negror desses tempos".

Logo após esses improvisos requintados, vem a marchinha "O Circo", de Batatinha - Simplicidade, ingenuidade, humor e aquela pitada "tristíssima" que Bethânia citou em Rosa Dos Ventos: "Todo mundo vai ao circo/ menos eu / Como pagar ingresso / se eu não tenho nada? / fico de fora / escutando a gargalhada (...)". "Estácio Holly Estácio" é a música que segue, de Luiz Melodia. Conta com a participação do Terra Trio nos vocais, que já a acompanhou em outros discos como o "Recital da Boite Barroco".

Enfim, a última música também é faixa título: "Drama", também de Caetano. Bethânia canta sua vida, a síntese do que é seu ofício, um grande desfecho para este disco especialíssimo: "Eu minto / Mas minha voz não mente / (...) Drama / e ao fim de cada ato / limpo num pano de prato / as mãos sujas do sangue das canções".

Recomendadíssimas: O disco inteiro, por dois motivos: O primeiro é que é um disco um tanto "obscuro", da carreira de Bethânia, e o segundo é o preço: Por este LP, paguei apenas R$ o,50! Li no jornal que relançaram toda a discografia da Bethânia em CDs. Depois de pagar 50 centavos por este LP maravilhoso, quem disse que eu quero saber de CD??... Contos de uma rata de sebo...!

13.3.06

Maria Bethânia - Rosa Dos Ventos (Show Encantado) - 1971

Hoje fiquei pensativa de repente. Não sei, ando muito sensível, saudosista, não sei...

Então entrei no meu quarto procurando por algum disco para ouvir e logo peguei esse aqui.

Este show é o mais obscuro que tenho de Bethânia. Pela capa já é possível sentir o clima e o disco é realmente assim; A impressão que dá é que ela está só no palco, num lugar enorme (apesar de ser instrumentado basicamente com um piano e sintetizadores, baixo e bateria)... Músicas intercaladas com textos de Fernando Pessoa e Clarisse Lispector fazem a atmosfera parecer mais encantada. O disco é ruidoso (isso é uma constatação, visto que este é o terceiro exemplar que comprei por causa disso e, apesar de este ter o áudio mais claro, ainda assim tem o lado A mais ruidoso e com qualidade inferior ao lado B. Há muitas variações de volume entre as faixas e até mesmo numa mesma faixa.

Digo que o lado A obscuro porém um pouco mais "claro", mais saudoso da infância, praiano, mais emocional e ao mesmo tempo triste. Só para sentir melhor, as palavras que iniciam o disco são da canção "Assombrações" de Sueli Costa e Tite Lemos: "As sombras são assombrações(...)". Logo depois vem "O Tempo e o Rio" de Edu Lobo e Capinam: "O tempo é como o rio onde banhei o cabelo de minha amada". Então ela recita Fernando Pessoa: "(...) Mar sou; baixo marulho ao alto rujo/ Mas minha cor vem do meu alto céu/ E só me encontro quando de mim fujo."

Seguem músicas de Dorival Caymmi ("O Mar" e "Suíte Dos Pescadores"), Caetano Veloso ("Avarandado") cantigas de roda do folclore baiano e músicas de carnaval do compositor Batatinha, que como ela mesma apresenta, "Ele só compõe para o carnaval mas na minha opinião ele fez tudo ao contrário: As marchas de carnaval são alegres, pra cima e os sambas do Batata são tristíssimos! Mas suas melodias são lindissimas e suas letras são maravilhosas". Canta então três músicas dele: "Toalha da Saudade", "Imitação" e "Hora da Razão".

O lado A termina com Fernando Pessoa, um excerto do "Guardador de Rebanhos", do momento em que o narrador encontra-se com Jesus através de um menino. Um texto que ela recita suavemente, lindamente, do jeito emocionante que só Bethânia sabe fazer.

O lado B é catastrófico, apocalíptico; Começa com "Minha História" a versão que Chico Buarque fez da música italiana "Gesubambino", a história de um menino que é conhecido por menino Jesus, passa pelo "El Día Que Me Quieras" de Carlos Gardel e volta para Chico na apocalíptica "Rosa Dos Ventos", música título do Show: "Numa enchente amazônica/Numa explosão atlântica/ E multidão vendo em pânico/ A multidão vento atônita/Ainda que tarde o seu despertar" .

E então o clima fica mais intenso. Novamente com Pessoa ela diz "(...)Meu coração não aprendeu nada. Meu coração não é nada. Meu coração está perdido" e revela seus desejos obscuros com "Janelas Abertas nº2" de Caetano: "Sim, eu poderia em cada quarto rever a mobília/ em cada um matar um membro da família (...) Mas eu prefiro abrir as janelas/ Pra que entrem todos os insetos".

O instinto da paixão a fulmina através de um poema de Moreno: "(...)E quando tiveres perto/ arrancarei teus olhos/ E os colocarei no lugar dos meus/ E tu arrancarás meus olhos/ E os colocará no lugar dos teus./ Então te olharei com teus olhos/ E tu me olharás com os meus" emendando a loucura com outra de Caetano: "Não Identificado" "(...)Eu vou fazer uma canção de amor/ Para gravar num disco voador".

Clarisse é quem termina o show. Depois das assombrações, catástrofes e paixões antropofágicas, eis que Bethânia volta a si e devolve os olhos ao amado: "(...) e eis que depois de uma tarde de "quem sou eu?" e de acordar à uma hora da madrugada em desespero... eis que às três da madrugada acordei e me encontrei. Simplesmente isso: Eu me encontrei. Calma, alegre, plenitude sem fulminação. (...) Mas por enquanto olha pra mim e me ama. Não. Tu olhas pra ti e te amas. É o que está certo."

Na música, Jards Macalé (Movimento Dos Barcos): "(...)Desculpe a paz que eu lhe roubei./ (...) Não quero ficar dando adeus. / (...) Não sou eu quem vai ficar chorando não/ Olhando o eterno movimento dos barcos".

Recomendadíssimas: O disco todo. A costura nas músicas que Bethânia faz com os textos é maravilhosa. Ficaria aqui comentando cada detalhe dele, mas como podem perceber, já falei demais. Só ouvindo mesmo. Este disco é realmente encantado.

Esta resenha é dedicada à minha amiga Karol

5.3.06

Geraldo Vandré - Canto Geral, 1968

E quem disse que o ano de 1968 foi marcado apenas de psicodelia e iê-iê-iê?

Outra vertente forte da época foi a da música de protesto e não há maior representante desta música que Geraldo Vandré.

Esta capa não é a capa original, mas é muito significativa; Em cima, gado; Embaixo, gente. Verde e amarelo. Vermelho. Canto Geral. Canto para todos.

A palavra que, para mim, resume o disco é Raça. A primeira faixa é a tradução disso. O início de "Terra Plana", de autoria dele mesmo, é uma declamação; "(...) deixo claro que a firmeza de meu canto vem da certeza que tenho, de que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza, foi que me fez cantador". Na contra-capa do disco, um texto seu; "(...) Às vezes penso que cantando mereço um pouco de vida. Saldo em parte os meus compromissos e tenho então, cada vez mais forte, a sensação da liberdade. Por isso aprendo a cantar e canto."

É um disco forte. Vivo. Pulsante. Violas caipiras, triângulos, "ca-chi-chis" (como Vandré mesmo escreve), vocais em lamentos nordestinos... E, no meio de tudo, um aparato inusitado na época: uma queixada de burro, que fora utilizada pela primeira vez - se não me engano - no II Festival de Música Popular Brasileira de 1966, da TV Record, na música "Disparada", também de Vandré e cantada com maestria por Jair Rodrigues. Música que, aliás, ganhou o primeiro lugar empatada com "A Banda", de Chico Buarque.

Mas, além das músicas explicitamente inflamadas, como "Cantiga Brava" (O terreno lá de casa não se varre com vassoura / varre com ponta de sabre, bala de metralhadora) há também músicas de "amor", podendo-se assim dizer. É o que se vê em "Companheira" (Mas agora sou feliz/ e meu canto vem e diz/ encontrei a companheira/ paz pra minha vida inteira) e "Maria Rita" (Pego a viola, me lembro dela/ toco a viola, só quero ela).

Recomendadíssimas: "Arueira", cantiga forte, viva, - brava mesmo! - e que conta com os vocais perfeitos do Trio Marayá ("...é a volta do cipó de arueira no lombo de quem mandou dar..."), "Companheira", que soa quase como cantiga suave de ninar e a curiosa "Ventania (De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando)", que procura seguir a mesma fórmula da vencedora "Disparada", com um personagem principal que roda o mundo contando suas histórias. Esta música até concorreu o III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, mas não ganhou...

Detalhe para um excerto de Bertold Brecht, na contra-capa:

"Desses tempos em que falar de árvores é quase um crime, pois implica em silenciar sobre tantos erros - aos que virão depois de mim."

Este foi o ano de 1968.

4.3.06

Gal Costa, 1969

Voltei!!! Estou de voltaaaaa!!! Feliz ano novo pro povo!!!

Fiquei muito em dúvida todo esse tempo sobre qual disco resenhar. Fiquei muito tempo empacada, sem idéia. Mas agora volto, resenhando esse disco da Gal, também de 1969, como o daqui debaixo!

Dá pra perceber uma diferença entre eles logo na capa, não?

Este aqui foi o disco que deu a projeção inicial à Gal. Antes desse, só o "Domingo", disco gravado junto com Caetano Veloso e um compacto com duas músicas ("Eu Vim da bahia", de Gil e "Sim, Foi Você" de Caetano), quando ainda era conhecida por Maria da Graça. Mas essas são oooutras resenhas!

Foi este disco que mudou totalmente minha opinião sobre Gal Costa. Nunca gostei da voz dela. (Coisa de quem só conhece o trabalho dela de 1980 pra frente;) mas depois que escutei este disco, passei a adorá-la.

Sua voz está suave, delicada, feminina, de menininha mesmo. Aliada aos arranjos fantásticos de Rogério Duprat, Gilberto Gil e Lanny Gordin, faz deste disco peça indispensável na coleção de quem gosta da música brasileira colorida/revolucionária/riquíssima dos anos 60 e 70.

Num geral, é um disco leve, agradável, lindo. Flutua entre objetos não-identificados ("Não Identificado" de Caetano), cai com os pés no chão batido com um xaxado de tempo quebrado e genial ("Sebastiana", de Rosil Cavalcanti), passa pela jovem-guarda, com músicas de Roberto e Erasmo ("Se Você Pensa" e "Vou Recomeçar"), cai na praia de Jorge Ben, e Tom Zé....

A "veia saltadinha" da rebeldia tropicalista já dava sinais de presença, com "Divino, Maravilhoso" de Caetano e Gil, que ocupou o terceiro lugar no Festival de música popular da TV Record de 1968, e no qual "São São Paulo, Meu Amor" de Tom Zé ficou em primeiro lugar.

Recomendadíssimas:"Divino, Maravilhoso", "Namorinho de Portão", de Tom Zé e além de todas as que falei, o "hino eterno" "Baby", de Caetano Veloso. É dele também "Saudosismo", uma linda homenagem à Bossa-Nova e a João Gilberto, influências fortes para o movimento tropicalista.

Taí.

26.9.05

Gal Costa, 1969

Gal Costa, 1969. Este, cronologicamente, é o segundo LP solo de Gal. Fiquei em dúvida quanto a qual colocar primeiro. Sabia que se colocasse o "primeiro" primeiro (que, aliás, também foi lançado em 1969 e com o nome de "Gal Costa" também) o raciocínio seria mais lógico e linear. Mas se fizesse isso, teria vontade de colocar todos os outros em ordem cronológica também e o blog perderia seu "colorido casual"... hehehehe

Bom, filosofias pessoais à parte, vamos à filosofia que realmente interessa!!!

A curiosidade começa pela capa. A primeira coisa que pensei quando vi a capa deste disco pela primeira vez foi "Nossa, mas que coisa mais psicodélica para ser da Gal Costa!"... A verdade é que nunca imaginaria ouvir o que ouvi. Foi tudo muito novo para mim. Um disco de 1969 com tanto colorido (por fora e por dentro) e tão forte, atualíssimo.

Caetano e Gil foram para o exílio em Londres, onde ficariam por três anos. Ficou para Gal a tarefa de representar e sentir na pele a dor e a delícia do Tropicalismo sem seus dois principais alicerces. E foi o que ela fez e transportou para este disco: acidez, psicodélia, desespero pulsante, que chama e pede por atenção. Gal se transforma numa leoa.

É um disco curto, objetivo. Nove faixas que te levam, progressivamente, ao delírio. Ele começa "são", mas com a guitarra ácida de Lanny Gordin e negando as "tardes mornais, normais" com a música "Cinema Olympia, de Caetano. A segunda faixa nos leva para os oásis escaldantes, com "Tuareg", de Jorge Ben. Na terceira faixa já começamos a ver indícios do delírio, com "Cultura e Civilização", de Gil:

"A cultura, a civilização / Elas que se danem! / Ou não"

A sensação que dá é que a voz de Gal começa a se aquecer. Ela começa a "se soltar", vocalizando, gritando, alucinando.

Num disco de nove faixas, a quinta é a faixa do meio, certo? A transição do lado A para o lado B. E a quinta faixa desde disco é "Meu nome é Gal", presente de Roberto e Erasmo Carlos. No meio da música ela bate na porta e se apresenta:

"Meu nome é Gal, tenho 24 anos, nasci na Barra Avenida e todo dia sonho alguém pra mim(...)"

E na outra metade dela, ela arromba a porta e se revela. Se solta, alucina mais, vocaliza, muda de oitavas, encarna a Leoa completa. Arrasa. E isso se estende até o fim. Entram efeitos mais explícitos, ruídos vocais e instumentais.

Entra mais Gil. "Com Medo, com Pedro" é, na minha análise, uma música para seu filho Pedro; Que também pode ser o menino da capa do Expresso 2222 (suposições minhas, que vou averiguar ainda). E também entra Jards Macalé na parada. Mais Caetano, mais loucura. "The Empty Boat", de Caetano é uma coisa louca. Só ouvindo mesmo.

"Objeto sim, objeto não", de Gil é o ápice do inesperado. Fico imaginando o que sentiram todos que ouviram esta música num vinil, em 1969! Efeitos mil, psicodelias... Demais, demais...

E na última faixa, "Pulsars e Quasars", de Macalé e Capinam, mensagens para Caetano e Gil:

"Cá e Gil me mandem notícias logo"

...porque

"Sem voz /os novos seres seguem, mas sem voz
Sem a voz os ruídos terão sentidos e teus sentidos perdidos"

As músicas nascem, mas sem Caetano e Gil, nada faz sentido.

...Mas este disco faz todo o sentido. A capa, a voz, a acidez, toda a loucura dele é absolutamente compreensível. É a dor e a delícia de Gal.

Texto de Caetano na contra-capa: "(...)Ninguém pode deplorar o nosso Vale-Tudo: quando Gal canta, ele vale-nada. Gal explodiu sozinha. Só vale Gal. Eu sei que é assim".

E ponto final.

22.9.05

Expresso 2222, 1972

É este que estou ouvindo nesse momento!

Este foi o disco lançado por Gilberto Gil logo após de sua volta do exílio, em Londres. Ao mesmo tempo, Caetano Veloso lançava "Araçá Azul", seu disco de longe mais polêmico, que comentarei em breve.

Resume-se numa mistura maravilhosa de ritmos e influências, coisas que só Gilberto Gil poderia fazer. Nada para comentar da mistura inacreditável de "Sai do Sereno", um baião com guitarras, pianos, baixo e bateria, (participação de Gal) com um riff de "Fire", de Jimmi Hendrix!!! Nem da hipnótica "Oriente", só em voz e violão. Muito menos da faixa-título do disco, "Expresso 2222". Nem da alegre/comovente "O Sonho Acabou".

"Lá em Londres, vez em quando, me sentia longe daqui..."
"O sonho acabou / E foi pesado o sono pra quem não sonhou"
"Só ponho be-bop no meu samba quando o Tio Sam pegar no tamborim"

Vocalizes geniais. Tempos tortos. Letras percurssivas, comoventes e muitas vezes nostálgicas, mas envoltas numa atmosfera sempre, sempre alegre, bem como faz o brasileiro. E na minha opinião, ninguém traduz isso melhor que Gil.

Samba, baião, rock, be-bop... violão, pífanos, guitarras, pianos, caxixis, triângulo, bateria, pandeiros, vozes...

Tutty Moreno, Lanny Gordin, Bruce Heny, Antônio Perna, Gal Costa...

Isso só pode resultar em Gilberto Gil. Em Expresso 2222.

Recomendadíssimas: Todas que citei acima, além de "Chiclete Com Banana", "Back in Bahia" (que, aliás, esteve na trilha sonora genial do filme Durval Discos), "O Canto da Ema".

Para quem quiser saber mais, algumas das letras deste disco estão comentadas por Gil em seu site oficial. O Link está aí!