Belchior - Alucinação, 1976
Levei muito tempo para gostar de Belchior, assim como levei muito tempo para gostar de Ivan Lins. Hoje, com mais maturidade musical, retiro qualquer coisa que tenha dito de ruim dos dois, me redimo e digo que cada vez me surpreendo mais com eles.A faixa que abre o disco é "Apenas Um Rapaz Latino-Americano"; um rapaz que vem do norte, comum como nós, abrindo os olhos das pessoas, dizendo que o "antigo compositor baiano que lhe dizia que tudo é divino, tudo é maravilhoso" já é antigo (Gilberto Gil, que nessa época era um Doce Bárbaro junto com Caetano, Gal e Bethânia); que tudo muda, que agora os tempos são outros.
E eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém"
Tudo é proibido, ou melhor, tudo é permitido quando ninguém nos vê. Ao fim da canção, nada mais é divino, nada é maravilhoso, nada é secreto, nada mais mais é misterioso...
e o passado é uma roupa que não nos serve mais"
A segunda recebe uma interpretação tão pungente como a de Elis e clama que temos que prestar atenção no que vivemos de verdade e não só nas "coisas que aprendemos nos discos".
"Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
é que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz."
"Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte
Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte
E tenho comigo pensado: Deus é brasileiro e anda do meu lado
E assim já não posso sofrer no ano passado
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro"
O lado B é aberto com a incrível faixa-título, "Alucinação".
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia
E o meu delírio é a experiência com coisas reais"
E a solidão das pessoas dessas capitais
A violência da noite, o movimento do tráfego
Um rapaz delicado e alegre que canta e requebra
É demais!(...)"
"(...) Amar e mudar as coisas me interessa mais."
"A Palo Seco" tem alguns dos versos mais lindos que já ouvi. É uma música triste, direta, mas docemente agressiva.
Mas ando mesmo descontente,
Desesperadamente eu grito em português (...)"
"(...) E eu quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês."
Em seguida vem o ápice do disco, na minha opinião. "Fotografia 3X4" é cortante. É um relato real das experiências de tantas pessoas que saem de suas cidades para viverem nas grandes cidades, observações que nós que aqui moramos nunca fizemos, por já vivermos dentro do olho deste furacão. A canção começa com um canto vocalizado que é como um lamento e, entre versos reais, este lamento se repete. E entre tantas imagens que se passam, tantas constatações sobre a cidade e tantas confissões, o verso "Eu sou como você" finaliza o discurso. As histórias são iguais. Todos nós somos "rapazes latino-americanos", somos "como nosso pais", somos "sujeitos de sorte", temos as alucinações do dia-a-dia. Somos a multidão.
Para fechar o disco, a grande conclusão de tudo o que se desenvolveu pelas canções - "Antes do Fim"
"Quero desejar, antes do fim,
pra mim e os meus amigos,
muito amor e tudo mais;
que fiquem sempre jovens
e tenham as mãos limpas
e aprendam o delírio com coisas reais.
Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo:
o canto foi aprovado
e Deus é seu amigo.
Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo,
que eu não sou perigoso:
- Viver é que é o grande perigo"
...um disco maravilhoso e irresistível.
Viver é a grande Alucinação.




Gal Costa, 1969. Este, cronologicamente, é o segundo LP solo de Gal. Fiquei em dúvida quanto a qual colocar primeiro. Sabia que se colocasse o "primeiro" primeiro (que, aliás, também foi lançado em 1969 e com o nome de "Gal Costa" também) o raciocínio seria mais lógico e linear. Mas se fizesse isso, teria vontade de colocar todos os outros em ordem cronológica também e o blog perderia seu "colorido casual"... hehehehe
É este que estou ouvindo nesse momento!