13.3.06

Maria Bethânia - Rosa Dos Ventos (Show Encantado) - 1971

Hoje fiquei pensativa de repente. Não sei, ando muito sensível, saudosista, não sei...

Então entrei no meu quarto procurando por algum disco para ouvir e logo peguei esse aqui.

Este show é o mais obscuro que tenho de Bethânia. Pela capa já é possível sentir o clima e o disco é realmente assim; A impressão que dá é que ela está só no palco, num lugar enorme (apesar de ser instrumentado basicamente com um piano e sintetizadores, baixo e bateria)... Músicas intercaladas com textos de Fernando Pessoa e Clarisse Lispector fazem a atmosfera parecer mais encantada. O disco é ruidoso (isso é uma constatação, visto que este é o terceiro exemplar que comprei por causa disso e, apesar de este ter o áudio mais claro, ainda assim tem o lado A mais ruidoso e com qualidade inferior ao lado B. Há muitas variações de volume entre as faixas e até mesmo numa mesma faixa.

Digo que o lado A obscuro porém um pouco mais "claro", mais saudoso da infância, praiano, mais emocional e ao mesmo tempo triste. Só para sentir melhor, as palavras que iniciam o disco são da canção "Assombrações" de Sueli Costa e Tite Lemos: "As sombras são assombrações(...)". Logo depois vem "O Tempo e o Rio" de Edu Lobo e Capinam: "O tempo é como o rio onde banhei o cabelo de minha amada". Então ela recita Fernando Pessoa: "(...) Mar sou; baixo marulho ao alto rujo/ Mas minha cor vem do meu alto céu/ E só me encontro quando de mim fujo."

Seguem músicas de Dorival Caymmi ("O Mar" e "Suíte Dos Pescadores"), Caetano Veloso ("Avarandado") cantigas de roda do folclore baiano e músicas de carnaval do compositor Batatinha, que como ela mesma apresenta, "Ele só compõe para o carnaval mas na minha opinião ele fez tudo ao contrário: As marchas de carnaval são alegres, pra cima e os sambas do Batata são tristíssimos! Mas suas melodias são lindissimas e suas letras são maravilhosas". Canta então três músicas dele: "Toalha da Saudade", "Imitação" e "Hora da Razão".

O lado A termina com Fernando Pessoa, um excerto do "Guardador de Rebanhos", do momento em que o narrador encontra-se com Jesus através de um menino. Um texto que ela recita suavemente, lindamente, do jeito emocionante que só Bethânia sabe fazer.

O lado B é catastrófico, apocalíptico; Começa com "Minha História" a versão que Chico Buarque fez da música italiana "Gesubambino", a história de um menino que é conhecido por menino Jesus, passa pelo "El Día Que Me Quieras" de Carlos Gardel e volta para Chico na apocalíptica "Rosa Dos Ventos", música título do Show: "Numa enchente amazônica/Numa explosão atlântica/ E multidão vendo em pânico/ A multidão vento atônita/Ainda que tarde o seu despertar" .

E então o clima fica mais intenso. Novamente com Pessoa ela diz "(...)Meu coração não aprendeu nada. Meu coração não é nada. Meu coração está perdido" e revela seus desejos obscuros com "Janelas Abertas nº2" de Caetano: "Sim, eu poderia em cada quarto rever a mobília/ em cada um matar um membro da família (...) Mas eu prefiro abrir as janelas/ Pra que entrem todos os insetos".

O instinto da paixão a fulmina através de um poema de Moreno: "(...)E quando tiveres perto/ arrancarei teus olhos/ E os colocarei no lugar dos meus/ E tu arrancarás meus olhos/ E os colocará no lugar dos teus./ Então te olharei com teus olhos/ E tu me olharás com os meus" emendando a loucura com outra de Caetano: "Não Identificado" "(...)Eu vou fazer uma canção de amor/ Para gravar num disco voador".

Clarisse é quem termina o show. Depois das assombrações, catástrofes e paixões antropofágicas, eis que Bethânia volta a si e devolve os olhos ao amado: "(...) e eis que depois de uma tarde de "quem sou eu?" e de acordar à uma hora da madrugada em desespero... eis que às três da madrugada acordei e me encontrei. Simplesmente isso: Eu me encontrei. Calma, alegre, plenitude sem fulminação. (...) Mas por enquanto olha pra mim e me ama. Não. Tu olhas pra ti e te amas. É o que está certo."

Na música, Jards Macalé (Movimento Dos Barcos): "(...)Desculpe a paz que eu lhe roubei./ (...) Não quero ficar dando adeus. / (...) Não sou eu quem vai ficar chorando não/ Olhando o eterno movimento dos barcos".

Recomendadíssimas: O disco todo. A costura nas músicas que Bethânia faz com os textos é maravilhosa. Ficaria aqui comentando cada detalhe dele, mas como podem perceber, já falei demais. Só ouvindo mesmo. Este disco é realmente encantado.

Esta resenha é dedicada à minha amiga Karol

5.3.06

Geraldo Vandré - Canto Geral, 1968

E quem disse que o ano de 1968 foi marcado apenas de psicodelia e iê-iê-iê?

Outra vertente forte da época foi a da música de protesto e não há maior representante desta música que Geraldo Vandré.

Esta capa não é a capa original, mas é muito significativa; Em cima, gado; Embaixo, gente. Verde e amarelo. Vermelho. Canto Geral. Canto para todos.

A palavra que, para mim, resume o disco é Raça. A primeira faixa é a tradução disso. O início de "Terra Plana", de autoria dele mesmo, é uma declamação; "(...) deixo claro que a firmeza de meu canto vem da certeza que tenho, de que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza, foi que me fez cantador". Na contra-capa do disco, um texto seu; "(...) Às vezes penso que cantando mereço um pouco de vida. Saldo em parte os meus compromissos e tenho então, cada vez mais forte, a sensação da liberdade. Por isso aprendo a cantar e canto."

É um disco forte. Vivo. Pulsante. Violas caipiras, triângulos, "ca-chi-chis" (como Vandré mesmo escreve), vocais em lamentos nordestinos... E, no meio de tudo, um aparato inusitado na época: uma queixada de burro, que fora utilizada pela primeira vez - se não me engano - no II Festival de Música Popular Brasileira de 1966, da TV Record, na música "Disparada", também de Vandré e cantada com maestria por Jair Rodrigues. Música que, aliás, ganhou o primeiro lugar empatada com "A Banda", de Chico Buarque.

Mas, além das músicas explicitamente inflamadas, como "Cantiga Brava" (O terreno lá de casa não se varre com vassoura / varre com ponta de sabre, bala de metralhadora) há também músicas de "amor", podendo-se assim dizer. É o que se vê em "Companheira" (Mas agora sou feliz/ e meu canto vem e diz/ encontrei a companheira/ paz pra minha vida inteira) e "Maria Rita" (Pego a viola, me lembro dela/ toco a viola, só quero ela).

Recomendadíssimas: "Arueira", cantiga forte, viva, - brava mesmo! - e que conta com os vocais perfeitos do Trio Marayá ("...é a volta do cipó de arueira no lombo de quem mandou dar..."), "Companheira", que soa quase como cantiga suave de ninar e a curiosa "Ventania (De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando)", que procura seguir a mesma fórmula da vencedora "Disparada", com um personagem principal que roda o mundo contando suas histórias. Esta música até concorreu o III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, mas não ganhou...

Detalhe para um excerto de Bertold Brecht, na contra-capa:

"Desses tempos em que falar de árvores é quase um crime, pois implica em silenciar sobre tantos erros - aos que virão depois de mim."

Este foi o ano de 1968.

4.3.06

Gal Costa, 1969

Voltei!!! Estou de voltaaaaa!!! Feliz ano novo pro povo!!!

Fiquei muito em dúvida todo esse tempo sobre qual disco resenhar. Fiquei muito tempo empacada, sem idéia. Mas agora volto, resenhando esse disco da Gal, também de 1969, como o daqui debaixo!

Dá pra perceber uma diferença entre eles logo na capa, não?

Este aqui foi o disco que deu a projeção inicial à Gal. Antes desse, só o "Domingo", disco gravado junto com Caetano Veloso e um compacto com duas músicas ("Eu Vim da bahia", de Gil e "Sim, Foi Você" de Caetano), quando ainda era conhecida por Maria da Graça. Mas essas são oooutras resenhas!

Foi este disco que mudou totalmente minha opinião sobre Gal Costa. Nunca gostei da voz dela. (Coisa de quem só conhece o trabalho dela de 1980 pra frente;) mas depois que escutei este disco, passei a adorá-la.

Sua voz está suave, delicada, feminina, de menininha mesmo. Aliada aos arranjos fantásticos de Rogério Duprat, Gilberto Gil e Lanny Gordin, faz deste disco peça indispensável na coleção de quem gosta da música brasileira colorida/revolucionária/riquíssima dos anos 60 e 70.

Num geral, é um disco leve, agradável, lindo. Flutua entre objetos não-identificados ("Não Identificado" de Caetano), cai com os pés no chão batido com um xaxado de tempo quebrado e genial ("Sebastiana", de Rosil Cavalcanti), passa pela jovem-guarda, com músicas de Roberto e Erasmo ("Se Você Pensa" e "Vou Recomeçar"), cai na praia de Jorge Ben, e Tom Zé....

A "veia saltadinha" da rebeldia tropicalista já dava sinais de presença, com "Divino, Maravilhoso" de Caetano e Gil, que ocupou o terceiro lugar no Festival de música popular da TV Record de 1968, e no qual "São São Paulo, Meu Amor" de Tom Zé ficou em primeiro lugar.

Recomendadíssimas:"Divino, Maravilhoso", "Namorinho de Portão", de Tom Zé e além de todas as que falei, o "hino eterno" "Baby", de Caetano Veloso. É dele também "Saudosismo", uma linda homenagem à Bossa-Nova e a João Gilberto, influências fortes para o movimento tropicalista.

Taí.