Maria Bethânia - Drama: Anjo Exterminado, 1972
Depois de muito tempo sem escrever, eis que volto a meu canto, resenhando a minha mais nova descoberta: Na ninha opinião, um dos melhores discos de Bethânia gravados em estúdio - Drama: Anjo Exterminado.
Este disco é, assim como o Rosa Dos Ventos, um tanto misterioso. Não tanto quanto aquele, mas nesse ouvimos uma Bethânia diferente, que flerta com o rock setentão da bateria de Tutty Moreno - acreditem! -, o piano de Antonio Perna, o baixo - e que baixo!!! - de Moacir, a flauta de Tuzé de Abreu e guitarras e violões de Perinho de Albuquerque.
Num geral a sonoridade deste LP me traz muito à mente o disco Pérola Negra, de Luiz Melodia - lançado um ano depois. O timbre da bateria, o naipe de metais em uma das músicas, o clima jazzístico e inclusive a gravação de "Estácio Holly Estácio", de Luiz, que aparecerá em seu disco também, que me trazem esta ligação.
No melhor estilo Bethânia, o lado A começa com o trecho de um ponto de umbanda da Bahia: "Sou eu que me deito tarde / Sou eu que levanto cedo / Sou eu que realço tudo / Sou eu que não tenho medo"; e cai levemente em "Esse Cara", de Caetano Veloso, com um naipe de cordas, um clima romântico.
A quarta faixa é impressionante. "Volta Por Cima", de Paulo Vanzolini recebe um arranjo setentão maravilhoso, com direito convenções e tempos quebrados, guitarras e a bateria de Tutty Moreno ao máximo, sempre impagável e inconfundível.
Sem negar as raízes, a quinta faixa é o samba-canção de Herivelto Martins "Bom Dia", com direito a um naipe de metais, dando um ar renovado e fresco à música. Logo depois vem a faixa título do disco, "Anjo Exterminado", de Wally Salomão (ou Sailormoon, para os mais íntimos) e Jards Macalé. "Quando você passa três, quatro dias desaparecida/ me queimo num fogo ardente de paixão / ou você faz de mim alto-relevo em teu coração / ou não vou mais topar ficar deitado / um moço solitário / poeta benquisto / até você tornar doente / cansada, acabada / das curtições otárias (...)" Maravilhoso...
A última faixa do lado A é de arrepiar: "Maldição", de Alfredo Duarte; Aí me vem aquela imagem de Rosa Dos Ventos - ela, cantando sozinha num teatro enorme e escuro... A música é basicamente a voz dela com algumas intervenções de órgão, percussão, flauta e violão; "Somos dois gritos calados / dois fados desencontrados / dois amantes desunidos/ É lucidez, desatino / de ler no próprio destino / sem poder mudar-lhe a sorte(...)"
O lado B começa com "Iansã", de Caetano e Gil - uma homenagem à orixá que a protege e minha música favorita: "Senhora das nuvens de chumbo / senhora do mundo dentro de mim / rainha dos raios / tempo bom, tempo ruim / (...) eu sou um céu para as tuas tempestades(...)". A próxima faixa é também de Caetano mas desta vez Bethânia participa da autoria; "Trampolim" é uma música alegre: "O amor não é mais do que o ato da gente ficar no ar / antes de mergulhar"; a voz de Bethânia alcançando o céu, em agudos incríveis! E a próxima música também é de Caetano: "Negror dos Tempos" é a que mais me lembra Luiz Melodia. O final dela é um longo improviso de sax-alto, meio samba, meio jazz; Sinto que também pode traduzir um pouco do clima daquela época: Em 1972 Caetano voltava do exílio; "(...) Quando vejo você / com sua gargalhada descarada / com seus cabelos de muito vento / de mau tempo, de mau tempo / (...) sinto todo amor / sinto todo o terror do negror desses tempos".
Logo após esses improvisos requintados, vem a marchinha "O Circo", de Batatinha - Simplicidade, ingenuidade, humor e aquela pitada "tristíssima" que Bethânia citou em Rosa Dos Ventos: "Todo mundo vai ao circo/ menos eu / Como pagar ingresso / se eu não tenho nada? / fico de fora / escutando a gargalhada (...)". "Estácio Holly Estácio" é a música que segue, de Luiz Melodia. Conta com a participação do Terra Trio nos vocais, que já a acompanhou em outros discos como o "Recital da Boite Barroco".
Enfim, a última música também é faixa título: "Drama", também de Caetano. Bethânia canta sua vida, a síntese do que é seu ofício, um grande desfecho para este disco especialíssimo: "Eu minto / Mas minha voz não mente / (...) Drama / e ao fim de cada ato / limpo num pano de prato / as mãos sujas do sangue das canções".
Recomendadíssimas: O disco inteiro, por dois motivos: O primeiro é que é um disco um tanto "obscuro", da carreira de Bethânia, e o segundo é o preço: Por este LP, paguei apenas R$ o,50! Li no jornal que relançaram toda a discografia da Bethânia em CDs. Depois de pagar 50 centavos por este LP maravilhoso, quem disse que eu quero saber de CD??... Contos de uma rata de sebo...!